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Ciúme que mata (II)

Última Hora , 30 of November of 1951

Os grandes artistas em geral não sabem mexer com pequenos conflitos. Sentem-se mal à vontade, e ao misturar os reativos que dão cor às tramas, o fazem com mão pesada, por isso que lhes falta a pequena inteligência do detalhe psicológico. São homens que vêm melhor ao largo, que libertam seu temperamento criador mais facilmente no manejo de embarcações de alto-mar que de barquinhos de baía. 

King Vidor - o grande diretor de A turba e No turbilhão da metrópole,é um artista assim; sua inadaptação aos enredos de teor psicológico é de dar pena. No entanto, em contato com temas de maior amplitude, onde o indivíduo é também reflexo de uma sociedade, liberta-se ele de sua canhestrice e move-se artisticamente como um atleta. Seus maiores filmes o mostram como tal - um cineasta ingênuo mas poderoso que enfrenta os ventos mais violentos da criação artística de peito aberto e sem tapar os olhos. 

Não sei que diabo fez King Vidor meter-se a dirigir coisas como Vontade indômita, um filme que além de fraco, era bastante reacionário (um com Gary Cooper e Patricia Neal, em que aquele é um grande arquiteto que não topa jabaculê e acaba por dinamitar um grupo de edifícios de sua autoria só porque não foram construídos integralmente, dentro da sua arquitetura), e esse Ciúme que mata, com Ruth Roman, Mercedes McCambridge, Richard Todd e Zachary Scott - um bom grupo de atores cuja atuação eficiente perde-se, no entanto, na teia mal cosida da história. E não que este seja um filme ruim; mas perto das películas maiores de King Vidor parece, se me perdoam a má palavra, uma porcariazinha de mosca. É sobretudo incrível que King Vidor tenha concordado em lidar com recursos de araque, como são o da maçaneta quebrada da porta e o da aranha que ele tenta matar na cama de Ruth Roman - e que ajuda a criar nela, já apavorada, a impressão de que o marido quer assassiná-la. 

Enfim, diante da produção corrente, é qualquer coisa a ver - e Ruth Roman está ficando cada vez mais respeitável como atriz. Mas como King Vidor, é o diabo...