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Cinema (II)

A Manhã , 1 of August of 1941

A decadência do cinema, que temos assistido em progressão crescente desde o advento do som e das palavras, como elementos essenciais de ação, subtrai a uma crítica que se quisera intransigente quase todos os dados reais com que poderia jogar. Em primeiro lugar, abstrai do silêncio, que é a natureza mais íntima da arte, em segundo, transforma a direção numa espécie de one man's job, isto é, separa fundamentalmente o cenarista e o diretor, sendo aquele o indivíduo encarregado de escrever cinematograficamente uma continuidade ou compor, por escrito, uma série de cenas 11 "tomáveis" pela câmera, e o outro, quem tira cinema do cenário, da imagem escrita à sua realidade visual. Assim, é muito comum o cenarista apresentar o cenário ou continuidade escrita ao diretor que, munido de sua máquina, filma o que lê dentro da sua concepção de imagem. 

Em essência, é este um processo antiartístico, embora bons filmes tenham sido produzidos assim. O cenarista e o diretor, num cinema que tendesse à arte, são um ou pelo menos dois dos indivíduos em acordo visual perfeito, como no caso recente de Gene Solon e Lewis Milestone em Carícia fatal (Míce and Men). Irei lembrando, à medida que o público e eu formos nos adaptando ao modo destas crônicas, que os maiores filmes da história do cinema obedeceram a este critério, como Luzes da ribalta, de Chaplin, ou o Couraçado Potemkin, de Eisenstein.
 
Porque dentro do programa que me fiz, estas crônicas, sem sair da atualidade, recorrerão constantemente ao retrospecto, para que melhor se compare o falso cinema acomodatício do presente com um grande passado de cinema-arte. 

O morro dos ventos uivantes, que o diretor William Wyler fez para Samuel Goldwyn, e que o Odeon reprisou, é um filme, sem favor, que merece ser revisto. Cenarizado do romance de Emily Bronte Withering Heights, obra mestre da literatura de todos os tempos, fizeram-lhe os cenaristas Charles Mac Arthur e Bret Heart, que foram também os nomes de Crime sem paixão, um cenário de primeira ordem, compreendendo a primeira metade do cinema, desde o aparecimento de Heatclif até a morte de Kathy. 

O filme, naturalmente, está longe do romance, que é uma dessas criações primorosas, um momento excepcionalmente feliz do romance no se parafrasear o famoso paradoxo de Mallarmé sobre a dançarina: "La danseuse n'est pas une femme que danse, car elle n'est point une femme, et elle ne danse pas."

Também o ator em cinema não é um indivíduo que representa, porque ele não é um ator, e não representa nunca.