backMovie

Cinema 1952

Última Hora , 2 of January of 1952

Eis o novo-ano que entra, 1952. Algarismo simpático, cuja soma dá 17, número com que nunca se perde numa roleta. E que bom entrar o ano com céu limpo de chuva, folhas verdes brilhando ao sol, praias cheias de gente a curar no sol violentas ressacas, e essa ponta geral de tristeza ao ver que o sistema prossegue inflexível sua rota na estrada celeste de Órion, e que se vai ficar um ano menos moço no tempo, na luta inútil contra a morte. 

Que corpo imenso de promessas e projetos não deve estar consubstanciado, invisível, nos espaços limites! Que vasto cantochão não deve rolar agora pelas altas esferas, provindo de todas as vozes do mundo - repicar de sinos, votos de amantes, cantores de celebração, azoeiras de festas, alegria das ruas - com que os povos saúdam o fim de antigas e o nascimento de novas esperanças! E a elas deve estar unido, como um coro de miséria, da morte e da amargura - o estertor desse homem que acaba a cada segundo a sua vida natural na Terra, o grito de desespero daqueles que na imensidão temporal do Minuto tiveram cortado o fio da existência por mão inimiga, o choro convulso dos abandonados traídos, o gemido de angústia dos solitários nos hospitais e prisões, soluço desconsolado dos que nada receberam e nada deram - vozes que demandam também serem ouvidas e compreendidas no grande uníssono que, no instante da Meia-Noite de ontem para hoje, se elevou do mundo - para a eternidade. Que cineasta, impossível, poderia colher numa banda sonora todos esses sons com que ilustrar em sincronia as imagens da humanidade vivendo e morrendo nesse momento igual a todos, no entanto fatal e decisivo para cada um?
 
Chegou 1952. Feliz ano cinematográfico, fãs de todo o Brasil, pois bem o mereceis. A vós - o povo que elegestes o cinema como a vossa diversão favorita, vós que sois a razão máxima de ser da arte da imagem em movimento, vós que sois o termômetro fiel do seu progresso -, um muito bom, feliz e rico ano de cinematografia.
 
Que vos seja dado muito Chaplin e pouco Bob Hoppe. Que se alarguem as fronteiras comerciais do Brasil e possais ver em breve as melhores produções dos países cujos filmes hoje não podeis ver. Que chegue até vós a grande película japonesa que arrebatou o primeiro prêmio no último Festival de Veneza e que vos seja franqueada também a nata da produção asiática, soviética, escandinava e balcânica. São cinemas da maior importância, de que careceis para aprimorar o vosso nível cultural cinematográfico e aprender a ver. 

Que possais ter mais e melhores filmes. Que vos seja dado mais Pierre Fresnay e Gerard Phillipe que Jean Marais; mais Ewidge Feuillère, Anna Magnani e Arletty que Viviane Romance e Silvana Mangano, embora vos seja dado também um pouco de ambas essas esplêndidas senhoras; que vos cheguem bastantes De Sica, Rossellini, Lattuada, Visconti, Carné, Autant Lara, Dellanoy, Carol Reed, e menos de outros diretores cujos nomes se vêm repetindo mas que se esquecem.
 
No que diz respeito ao Brasil, que vos seja dado o Instituto Nacional de Cinema, nos moldes preconizados por Alberto Cavalcanti, e que vos seja dado que o governo compreenda que em outras bases ele não ira muito longe. Que vos sejam dados mais e melhores filmes nacionais, por mais e melhores produtores e diretores. Mas que vos seja dado compreender também que precisais prestigiar o que já existe, em lugar de apenas atacar e divergir. Há produtores e diretores brasileiros honestos e de boa vontade, que precisam da vossa colaboração para seguir produzindo e aprendendo.

Que vos seja dado assistir ao início da derrocada do atual trust de exibição do sr. Luiz Severiano Ribeiro, a que só o progresso da cinematografia nacional pode pôr em cheque. Que vos seja dado a ver quais as reservas bancárias e do capital privado com relação ao cinema brasileiro - que há de ser, em futuro não muito longínquo, uma poderosa indústria e uma arte de grandes possibilidades.
 
Que vos seja dado ver iniciar seus trabalhos a produtora que terá à testa o meu querido mestre e amigo Alberto Cavalcanti - e que seus filmes corram o Brasil de norte a sul, e se expandam depois pelos países da América e do mundo. 

A vós - os fãs; meus confrades de crítica; aos dirigentes e trabalhadores da indústria cinematográfica brasileira: produtores, diretores, escritores, cinegrafistas, editores - o melhor dos votos cinematográficos, para 1952.