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Barnabé, Oscarito e Grande Otelo

Última Hora , 4 of March of 1952

Que Barnabé, tu és meu é um autêntico "abacaxi", disso não resta a menor dúvida. Mas não é um "abacaxi" azedo. O filme não é muito pior que, por exemplo, uma dessas comédias americanas usuais (a não ser, é claro, na estrutura técnica) e com um esforçozinho extra poderia ser equiparado a um filme de Totó, o cômico italiano. Eu tinha ouvido dizer horrores da película, e com efeito, muito do que se diz se justifica. Mas não totalmente. Há cenas inteiras francamente gozadas. Oscarito dá margens a boas gargalhadas; Grande Otelo está como sempre em forma nas cenas em que aparece; Lewgoy, apesar do estereótipo a que estão submetendo desnecessariamente esse ator de inegáveis recursos, dá uma interpretação discreta de mais um gângster brasileiro a Ia americaine; Adelaide Chiozzo é uma garota graciosa e tem uma personalidade agradável - enfim... 

O que mata é a história, manjadíssima, além da repetição de várias situações e piadas - algumas copiadas de filmes estrangeiros (como de O filho do xeque, por exemplo, não sei se acidentalmente ou mesmo à vera...), outras do próprio repertório dos atores em jogo. Oscarito é um caso típico. Para mim Oscarito é um cômico pelo menos tão bom quanto qualquer outro estrangeiro, com exceção dos grandes mestres. Mas Oscarito precisa arrumar urgentemente um gag writer para ele, um sujeito que lhe renove um pouco os tiques cômicos e sobretudo as piadas orais. Porque classe ele tem. Sua cara é ótima, móvel, expressiva, capaz de boa mímica, e seu corpo, esplêndido - e ele que me perdoe dizer isso, mas honni soit qui mal y pense. Eu sou um homem pai de filho etc., de modo que não há em mim nem sombra de segundas intenções. Eu digo esplêndido no mesmo sentido em que digo que o corpo de Chaplin é esplêndido para o gênero de cômico, meio acrobático, que ambos adotam. Aliás, são corpos bastante parecidos, com a mesma leveza e agilidade, e capazes de contorções e trejeitos que, em qualquer outro, poderiam dar a impressão de efeminamento. 

Essa cara e esse corpo precisam de uma nova mímica, de novas bossas, de novos exercícios cômicos para dar tudo o que podem. Eu sinto na mímica de Oscarito uma espécie de ansiedade de dizer mais, de se extravasar em novas formas a que o cômico, talvez devido à sua reconhecida e natural modéstia e timidez, não ousa dar forma. Por isso, me parece muito que Oscarito deveria arrumar o mais cedo possível um "abre-latas" para ele, ou seja: um empresário ou agente cômico - um sujeito inteligente e amigo dele cuja função precípua fosse acompanhá-lo em todas as suas produções a fim de espicaçá-lo comicamente, de provocar-lhe o extravasamento das reservas de humor mímico. 
A repetição, para um cômico de classe, das mesmas piadas e situações acaba fatalmente por cansá-lo, por fazê-lo desinteressar-se do seu trabalho. É esta uma responsabilidade que, mais que a ninguém, cabe ao próprio Oscarito - com quem, eu creio, poderia ser criado um tipo cômico brasileiro fabuloso, um tipo à altura de um Cantinflas.
 
O mesmo com Grande Otelo, de outra forma. Otelo, que eu acho um grande ator, parece ser um homem extremamente difícil de se trabalhar com ele, devido à sua boemia. Pelo menos é o que eu ouço dizer. Eu acho sinceramente que Grande Otelo se faz um grande mal com isso, porque não há mais de cinco atores no Brasil com o seu talento e naturais possibilidades - cômicas e trágicas. Desperdiçar esses dotes é um absurdo. Vamos, seu Otelo - meta os peitos, dê uma virada...